domingo, 31 de julho de 2016

Eu venci este medo #2


CONSEGUI.

Ainda não acredito bem nisto, mas consegui. Quer dizer, estou a conseguir. Escrevo este texto durante a minha viagem de avião do Porto para Faro. A primeira, desde a fase marada.

E não é que está a correr mesmo bem? Estou verdadeiramente calma e descontraída. Estar com o meu pai ao lado ajuda muito. O sentido de humor também ajuda (sempre) muito, como já me tenho fartado de referir. Talvez o facto de estar de direta e, portanto, podre de sono, também ajude um bocadinho, vá... :)

Custou-me, bastante, a descolagem. Aliás, é sempre a parte da qual tenho mais medo e que me faz verdadeiramente impressão. Mas isso... Isso já era antes da fase marada. E que bom que é respirar de alívio quando os nervos passam, quando me sinto a acalmar, quando fico, finalmente, confortável.

Claro que ainda há medo. Claro que ainda há ansiedade. Mas nada disso me consome, nada disso me limita, nada disso me impede de fazer a minha vida. Eu consegui. Estou a conseguir fazer esta viagem, melhor ainda do que conseguia fazer as viagens antes da fase marada, que já eram enorme motivo de angustia para mim.

Enfrentei. Tive ajuda. Tive apoio. Não precisei de nenhum comprimido. Só de boa companhia, de umas boas gargalhadas, de chamadas de atenção e pedidos de racionalização nos momentos certos... E de força de vontade. Bom, digamos que o meu pai também me pediu muito para fazermos esta viagem de avião e, pelo meu pai, tudo. Mas sim, valeu a pena. Não só pelo meu pai. Por mim também.

Venha a próxima ;) não, estou a gozar, que eu não tenciono que haja uma próxima assim tão tão cedo, mas quem sabe se isto agora não é sempre a melhorar...

Parece que já vamos começar a aterrar. Que maravilha! Passou a voar (ah ah ah...). 



Teresa

sábado, 30 de julho de 2016

Quando pedir ajuda?


Para mim, a resposta a esta pergunta é bastante fácil e óbvia. Não preciso de pensar muito para dizer: o quanto antes. O mais cedo possível. Assim que percebermos que algo não está bem connosco, que não estamos bem.

É difícil pedir ajuda. Neste contexto, no que respeita à saúde mental, mais difícil ainda se torna. Por vários motivos. Consigo lembrar-me de alguns agora:

. Termos vergonha – sim, convenhamos que, em certas alturas, pensamos que partir uma perna enquanto jogamos à bola ou deitar sangue do nariz porque apanhámos demasiado sol seria muito melhor e mais fácil... E não, não é vergonha nenhuma admitir que se tem vergonha.

. Pensarmos que ninguém nos vai compreender – claro, se nem nós próprios conseguimos compreender o que se está a passar connosco.

. Pensarmos que somos fortes e que conseguimos dar a volta à situação sozinhos – que somos fortes, não tenho dúvidas. Mas há momentos em que, de facto, não conseguimos controlar tudo da forma que queríamos (ou, a bem dizer, de forma nenhuma). É nesses momentos que a bola de neve começa a surgir. E tudo se complica.

E por aí fora. Podia continuar esta lista. Mas prefiro, agora, dizer que nada disto impede que se peça ajuda.

Existem vários tipos de ajuda. Existem sempre vários caminhos pelos quais podemos optar, mesmo que achemos que nada nos vai ajudar, que não há luz ao fundo do túnel, que não conseguimos pedir ajuda por já nem nos reconhecermos nem estarmos no nosso estado habitual. A ajuda pode assumir várias formas e vários papéis – isso depende, naturalmente, de cada um e do seu contexto. Mas a ajuda existe. As várias ajudas existem.

Na minha opinião, vale sempre a pena. Tentar, tentar, tentar. Procurar. Por muito que custe: procurar e não desistir. Admitir que precisamos de ajuda e que não podemos (nem temos que!) passar por isto – seja lá o que for isto – sozinhos.  



Teresa

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Avião - o drama, o horror, a tragédia.


Preciso de ajuda! A sério que preciso. Ou, pelo menos, preciso dos vossos conselhos.

Acontece que, no próximo domingo, vou andar de avião. Sim, ouviram bem (que disparate, não ouviram, leram bem). A minha cara está qualquer coisa parecida com isto:

(imagem escolhida aleatoriamente no google. É meio parvo, eu sei. Paciência!)

"Então mas e qual é o problema?", perguntam vocês (mesmo que não perguntem, fica mais bonito assim, pronto). "Já andaste de avião milhares de vezes, és uma sortuda!". Sim, é verdade. É verdade porque consigo ter a força suficiente para não deixar de fazer as minhas queridas viagens, sobretudo agora que a fase marada já passou, apesar do meu tremendo medo de andar de avião. Andar de avião é, para mim, digamos, um mal necessário. E que mal...

Só de pensar na viagem de avião que se aproxima a passos largos, fico assim com leves suores frios e com uns certos arrepios. Tenho mesmo medo daquilo. Aliás, vou tentar explicar melhor: não é bem medo. Não sou daquelas pessoas que está sempre a pensar que o avião pode cair (já bati 3 vezes na madeira, não se preocupem) e que é inseguro e tal e tal. O problema não é esse. O grande problema é que eu própria tenho um problema chamado claustrofobia. Pois, é tramado, eu sei. Tenho uma ligeira (eufemizando a coisa) aversão a espaços fechados e a tudo aquilo que me obrigue a estar fechada. Ora e não é que no avião estou ali fechadinha, sem poder sair e sem poder abrir sequer uma janela? Claro, meia paranóica como sou, começo logo a imaginar todos os cenários - "E se me sinto mal ali em cima, o que é que se faz?"; "E se me dá uma coisinha má e eu não posso sair?”; “Ai que vai ser uma tragédia." E, e, e.... 

Eu sei, eu sei que é um esforço que vale a pena. Desta vez, vai valer de certeza, que as férias continuam, na minha segunda casa de sempre, minha querida Vilamoura

Ai, ajudem-me! Algum truque infalível? Dicas para o tempo passar mais rápido? Para não me enervar tanto? (por favor, não me mandem tomar 3 xanax's antes de entrar no avião...)

Teresa

terça-feira, 26 de julho de 2016

Remédios mágicos.


Há remédios que somos obrigados a tomar, por mais que lutemos contra isso, por mais que digamos que não, que não precisamos deles para nada, que conseguimos alcançar o sucesso sem eles. A verdade é que chega uma altura em que os químicos têm mesmo que fazer parte do nosso dia a dia como se de uma refeição se tratasse. Eu sempre fui contra químicos, talvez por isso tenha feito reação a eles quando iniciei tratamento (disso falarei num próximo post). Porém, depois de ter tudo explicado e de me mentalizar que tinha mesmo que os tomar, que a seguir ao pequeno almoço, ao lanche e ao jantar tinha de colocar aquelas "gomas químicas" na boca, os comprimidos lá passaram a ser uma rotina à qual me habituei.

Mas, como eu estava a dizer, há remédios farmacêuticos sim, mas depois há outros, os que não contêm quaisquer químicos e aos quais chamo "remédios mágicos".

O meu remédio mágico entrou na minha vida no dia 8 de Maio de 2016, camuflado numa bola de pêlo castanha, de olhos verdes assustados. Dei-lhe o nome de Uva e revi-me nela no momento que a peguei ao colo. Encolhida, a tremer, com o medo do desconhecido a iluminar aqueles olhos, que diziam "porque me tiraste do meu mundo? Do mundo que eu conhecia ? Quero voltar ao sítio onde estava feliz, à minha mãe. Leva-me de volta". Mas, nesses mesmo olhos, estava também escondida uma vitalidade enorme e uma vontade de brincar, saltar e correr o mundo. Uma vontade de se agarrar a mim como se eu fosse agora o novo mundo dela. Uma necessidade de se adaptar e ser feliz.

As primeiras noites dela não foram fáceis, tal como as minhas primeiras semanas desta fase marada não foram. Os dias seguintes foram vividos passo a passo, a ganhar confiança, com novas conquistas, com o medo do desconhecido a ir passando, tal como as minhas semanas seguintes também foram. Ela foi crescendo à medida que eu fui melhorando.

O médico mandou-me fazer exercício - no mínimo, caminhadas - numa altura em que eu mal conseguia sair de casa. Eu não queria sequer tentar, mas o meu remédio mágico queria, o meu remédio mágico puxava a trela e lá tínhamos que ir. Eu não queira falar nem ver ninguém, mas o meu remédio mágico queria brincar com outros cães e queria correr, pular. O meu remédio mágico obrigava-me a falar com os vizinhos e a sorrir. O meu remédio mágico saía de casa aos saltos mesmo quando eu estava "de rastos". Mas, depois, era o meu remédio mágico que chegava a casa "de rastos" e era eu quem chegava aos saltos.
Aos saltos porque consegui abrir a porta e sair, porque consegui caminhar, porque consegui falar com pessoas, porque consegui rir, porque me senti eu. Porque percebia por momentos que não me limitava a existir, eu estava a viver.

O meu remédio mágico foi crescendo à velocidade que a minha pior fase foi passando.
Os comprimidos podem manter-me calma, podem ajudar-me a dormir e a controlar humores, mas não me fazem sair de casa, não me fazem conhecer pessoas, não me fazem sentir viva.

Os comprimidos tocam-me na mão e eu sinto-os no estômago, o meu remédio mágico lambe-me a bochecha e eu sinto-o na alma. Quando aquele olhar meigo se vira para mim, quando aquelas corridas de saudade me atingem, quando aquelas patas me tocam enquanto lágrimas me caem, tudo passa, por segundos, minutos ou horas, não interessa. O meu remédio mágico não me cura, mas faz-me esquecer os efeitos secundários dos outros que têm esse propósito.

Os animais amam-nos como nós deveríamos saber amar.


O meu remédio mágico é uma labradora castanha de nome Uva, que me tem ensinado que não é preciso muito para se ser feliz. A Uva precisa apenas de água, comida e amor, tão simples quanto isto... É preciso perguntar porque achamos nós que precisamos de tantas coisas mais?

O meu remédio mágico é o meu complemento suplementar diário obrigatório, a minha companheira, o meu placebo preferido.
A Uva vai crescer e eu quero crescer com ela, quero ter a oportunidade de lhe dar tudo o que ela, sem saber, me tem dado.

Aqueles olhos continuam meigos, mas, agora, nada assustados, aquela vitalidade brotou e não desaparece, só tende a aumentar, aquela bola de pelo que eu abracei com o coração no dia 8 e na qual me revi está diferente, mas hoje, quase 3 meses depois, continuo a abraçá-la e a rever-me porque também eu estou diferente, porque o medo deu lugar à força, a vitalidade escondida deu lugar à vontade de viver com mais alma, o receio de ficar sozinha deu lugar à necessidade de conhecer pessoas e de as ajudar no que me for possível.

Continuo a depender dos outros remédios sim, mas sei que é por pouco tempo, já em relação a este, ao mágico, este será para toda a vida!

Rita

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Rir é (sempre) uma boa opção.


O meu namorado goza comigo. E isso é bom.

Bem, isto não é assim tão estranho quanto parece, juro-vos. Não fiquem já a achar que pirei de vez ou que o excesso de sol me está a fazer mal à cabecinha (muito, muito pelo contrário...!)

Ora, então, eu passo a explicar:

O meu namorado apareceu na minha vida depois de a fase marada ter ido embora. Foi assim uma espécie de troca por troca, estão a ver? Mas eu fiquei a ganhar, e muito, com essa troca! ;)

Bom, mas o que eu ia mesmo dizer é que ele sabe tudo aquilo pelo que passei, e, mais ainda, respeita-me, compreende-me e apoia-me a mil por cento.  E não é só isso. Ainda tem o dom de saber brincar com as minhas fragilidadeshipocondria’s calling, por exemplo -, de as desvalorizar não as desvalorizando (estranho? Mas muito bom!) e de me fazer rir.


O meu namorado ajuda-me a que eu própria consiga brincar com a minha hipocondria e consiga relativizá-la e isso, para mim, é absolutamente fundamental. Saber rir de nós mesmos pode ter benefícios incríveis e ser um enorme passo para aceitarmos, enfrentarmos e até mesmo ultrapassarmos as nossas fragilidades. Comigo, pelo menos, resulta. Resulta muito e muito bem.

E agora, para terminar, depois de todo este blá blá blá (mas sincero!), não resisto a transcrever-vos uma das nossas conversas recentes, que se passou no fim-de-semana (atenção: isto não é um caso único. Como esta, há mil e quinhentas. Ou mais):

T (eu) – Dói-me aqui um bocadinho o peito. Achas que é uma doença grave?
P – Acho.
T – Diz lá a verdade... O que é que achas que eu tenho? É melhor veres, por favor, se o meu coração está a bater bem... Podes ver?
P – Ora deixa cá ver. Nem o sinto... Se calhar já parou.
T – Oh páaaaa... Agora a sério... Achas que é grave?
P – Sim. Pelo que descreves, vejo aí uma trombose com sinais de ataque cardíaco, mais um AVC elevado ao quadrado. Tudo junto.
T – Não gozes... Está-me mesmo a doer o peito! E agora? O que é que eu faço?
P – Pelas minhas contas, é melhor ires dar um último mergulho à piscina, porque deves ter aí um minuto e trinta e sete segundos de vida.

E esta conversa termina com os dois a rirmos à gargalhada. E comigo a esquecer a dor no peito. A desvalorizá-la. A perceber que estou, de facto, rodeada de coisas boas na minha vida, que me têm feito esquecer a hipocondria e coisas que tal. Ou, pelo menos, a escondê-la assim num cantinho pequenino, mais pequenino do que de costume. 

Teresa

domingo, 24 de julho de 2016

Carta aberta à minha psicoterapeuta.


Querida psicoterapeuta,

Obrigada.
Estranho – para mim, pelo menos – começar uma carta com um agradecimento, assim a frio, sem qualquer tipo de contextualização. Mas não importa. Foi assim que me apeteceu começar, é assim que (me) faz mais sentido agora. 
 
E, por falar em estranheza, poderá, também, soar um tanto ou quanto estranho eu estar a agradecer-lhe pelo seu trabalho. Pelo trabalho que, no fundo, consiste em ser a minha psicoterapeuta. Mas sim, na verdade é mesmo por isso que lhe quero agradecer: pelo seu trabalho, cujo valor é (para mim) absolutamente inegável e imensurável e que – bem sei – é, não raras vezes, injustamente desvalorizado, desconsiderado ou inferiorizado. Agradeço-lhe por isso e agradeço-lhe, sobretudo, pela forma como o faz. Pela forma como, comigo, tem desempenhado o seu papel.

A psicoterapia salvou-me a vida. E, quando o escrevo, escrevo-o sem qualquer tipo de exagero ou representação metafórica. Digo-o e repito, quantas vezes me apetecer: a psicoterapia salvou, mesmo, a minha vida. 

Felizmente, e no meio de todo o cenário negro pelo qual passei – a fase marada, como, meio na brincadeira, faço questão de chamar – tive sempre muito (e bom) acompanhamento,  muito apoio, muitas coisas boas a acontecerem à minha volta, muita gente a querer (e a provocar) o meu bem. Mas, e hoje sou capaz de o discernir totalmente, foi graças à psicoterapia que consegui ir absorvendo todas essas coisas boas, verdadeiramente boas, e levantar-me. Reerguer-me e voltar a ser quem sou. A sentir-me, de novo, eu – quem sabe, até melhor... Mas isso são outras histórias que ficam, quem sabe, para uma outra carta.

Em novembro, movida pelo desespero, decidi pedir ajuda. Reconheço, com toda a franqueza, que eu não sabia o que era ter de pedir ajuda. Tive de aprender a fazê-lo, aos poucos – mais uma, das muitas aprendizagens que sinto ter ganho. Reconheço, também, que não sabia ao que ia. Pedi ajuda pelo simples facto de estar desesperada, assumo. Muitos, provavelmente, poderão pensar qualquer coisa como “que sorte, acertaste na psicoterapeuta à primeira!”. Eu, que não gosto muito da palavra sorte, prefiro dizer que foi, sem dúvida, graças a si, querida psicoterapeuta, e a mim, também, que a psicoterapia foi ganhando esta importância e esta dimensão na minha vida. Graças a si, sem dúvida, porque nunca desistiu de mim, mesmo quando eu própria estive quase a desistir. Porque nunca desistiu, mesmo quando eu desvalorizava tudo e todos à minha volta. Por, no meio do meu desespero, ter conseguido fazer com que eu investisse na psicoterapia, com que eu acreditasse nela, e com que esta fosse resultando, cada vez mais. Ainda bem. Ainda bem mesmo. É só o que consigo dizer. Por isto e por infinitas mais coisas, que guardo para mim: obrigada. Outra vez, obrigada. 

Agora, agora sim, sei o que é a gratidão. Agora, sim, sou capaz de expressar a minha gratidão. Embora saiba que, muito provavelmente, não poderei, nem faz parte do meu papel, recompensá-la ou fazer por si uma migalha do que tem feito por mim, a gratidão, infinita e eterna, já ninguém me tira. E, por isso, acabo exatamente da mesma forma como comecei: obrigada.

Teresa

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Como tudo começou - parte II


Entrei no hospital numa cadeira de rodas.
Naquele momento não pensava em mais nada a não ser viver, nunca tinha sentido aquele medo, nunca tinha sequer imaginado a possibilidade de que podia morrer. À medida que me iam levando, que me empurravam naquela cadeira, não consegui deixar de reparar na cara das pessoas que se iam afastando, das que iam "abrindo alas", para eu passar.
Não consegui distinguir o sentimento naqueles olhares, não sei se eram de pena, de compaixão ou simplesmente de espanto por verem uma rapariga de 29 anos de olhar assustado, sentada numa cadeira de rodas, com uma mão fixa ao peito a agarrar um coração invisível e a outra descaída, dormente, como se não fizesse parte daquele corpo.
As cabeças viravam-se para me ver, as pessoas olhavam-me por segundos e desviavam o olhar com a mesma rapidez, como se sentissem vergonha da curiosidade que as levou a observarem-me. Percebi que os meus olhos deviam refletir o medo que sentia, o medo de morrer, o medo de tudo. Nunca me senti tão pequena, tão desprotegida, tão vulnerável.

Gabinete de triagem, batimentos a 190, tensão arterial completamente alterada, glicémia a níveis elevados.
Pulseira laranja no pulso, ironicamente naquele que não descolava do peito, e mais uma volta de cadeira de rodas, desta vez para um corredor de espera que me pareceu interminável, abismal, entupido de macas e de cadeiras de rodas. Os gemidos faziam eco naquelas paredes, o sentimento de dor era cortante, os heróis de bata branca corriam de uma lado para o outro, ajudavam os que podiam, mas, nem assim, os gemidos abrandavam. Pedi água, tinha a boca seca, aquele corredor sufocava, cada vez me parecia mais estreito, queria sair dali, não queria ouvir os gemidos, não queria sentir aquele cheiro, não queria sentir nada, desejei não ter 5 sentidos naquele momento, fechei os olhos e esperei.

Os minutos passavam, os heróis continuavam a correr mas ninguém me chamava. Comecei a sentir-me tonta, a ouvir tudo muito longe, agarrei a mão da pessoa que esteve sempre ao meu lado, com toda a força que consegui, e disse "acho que vou morrer aqui".

Chamaram-me finalmente. Depois de falar com a médica, levaram-me para uma sala, agora numa maca. Tiraram-me sangue e fizeram um ECG, pediram que me sentasse novamente na cadeira de rodas e que esperasse. Desta vez, não me sentei, não queria sentir os olhares, não queria voltar para o sítio dos gemidos que não me saíam da cabeça, continuava a agarrar o peito e a pensar que ia morrer. Mas ia aguentar tudo isso em pé, pelo menos enquanto me fosse possível.

Não sei quanto tempo passou até me chamarem novamente. Lá fui, desta vez a caminhar. Injetaram-me qualquer coisa, não senti a agulha mas senti o líquido a entrar, não perguntei o que é que me estavam a fazer. De seguida, tomei 2 comprimidos e, mais uma vez, não quis saber porquê, eu só tinha uma pergunta em mente "Isto vai-me salvar?".
Entretanto, vi um esboço de um sorriso que me aliviou e ouvi palavras que me ajudaram "vais ficar melhor sim, a médica já fala contigo".

A médica falou, não me deu qualquer explicação para o sucedido, as análises estavam boas e o ECG não indicava qualquer alteração. Tudo o resto que me foi dito eu já não me lembro de ouvir, os meus olhos começaram a ficar pesados, o corpo sem força, um sentimento de embriaguez apoderou-se de mim. Percebi, então, que me tinham dado calmantes ou sedativos.

Eu já não precisava de ouvir mais nada, já não precisava de estar ali. De um momento para o outro, passei a sentir-me nas nuvens, de um momento para o outro o coração já não parecia querer rebentar, de um momento para o outro as mãos já não tremiam e o braço já não estava dormente. Libertei finalmente a mão que agarrava o coração e deixei-me ir naquele estado esquizofrénico de sonolência, de leveza. Não me sentia viva, mas também não sentia medo de morrer, na verdade eu não sentia nada, e não sentir nada era tudo naquele momento.

Entrei no carro. 4 horas depois a viagem para Lisboa ia continuar, sabia que ia adormecer e pensei que quando acordasse tudo iria estar bem. Seria como se tudo não tivesse passado de um pesadelo. Os planos que tínhamos iniciado quando saímos de Mangualde não sofreriam qualquer alteração.

Chegámos, finalmente, a casa. Dei o beijo de boa noite aos meus, como sempre faço, e deitei-me. Irrefletidamente levei a mão ao peito e adormeci.

Acordei às 3h da manhã. O efeito dos comprimidos já tinha passado e voltei a sentir tudo de novo, mas não  da forma como eu esperava. Não senti o alívio de quem acorda de um pesadelo.
Às 3h da manhã acordei numa cama encharcada em suor, com todos os sintomas que me fizeram chamar aquela ambulância no IC. Às 3h da manhã senti novamente aquele medo, o incontrolável medo de morrer. Mas afinal, o que se passava comigo?

Rita

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Chegámos (também) ao facebook.

https://www.facebook.com/chanaxdas2/

Aqui! Tudo a por um likezinho, se acharem que vale a pena, e se quiserem ir recebendo novidades fresquinhas sobre o que se passa no blog.

Quando o Google se torna o nosso pior inimigo



Pára, não tecles, não cliques, não faças nada, não penses sequer. Esconde o telemóvel, o computador ou qualquer outra coisa que tenha acesso à Internet, mas, por favor, pára, não vás ao Google!

A razão é simples: o Google, ou qualquer outro motor de pesquisa, não te vai dar a resposta que queres. Vai, sim, fazer com que esse sintoma, ou qualquer outro, que estás a experimentar, seja sinónimo de algo tão grave que te vai provocar uma onda de novos sintomas, maiores ainda que o primeiro. Pior: Sintomas que te levarão a mais pesquisas e a novas conclusões, num ciclo desenfreado de doenças, que te "pedem" que comeces já a dizer adeus aos teus familiares, ao teus amigos e, quem sabe, até aos teus inimigos.

O Google foi fundado em 1998 e tem um slogan curioso: "don't be evil". A sua missão declarada consiste em "organizar a informação mundial e torná-la universalmente acessível e útil". Pois, é aqui que reside o problema de que te quero falar.

Qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo, pode escrever o que quiser e tu, aí, ou do outro lado do mundo, podes obter qualquer informação através de uma simples palavra-chave. 

Todos nós já usámos o Google e sabemos o quanto nos pode ajudar, seja para tirar dúvidas numa discussão de amigos, seja para escrever artigos, ouvir música ou ver a nossa série preferida que alguém resolveu (de forma pirata, provavelmente) difundir para o mundo. O problema surge quando os cibernautas decidem dar uma de pseudo-médicos (pessimistas por sinal) e responder a questões ou até escrever artigos que têm tanto de científico como eu tenho de Bruce Lee.

Claro que há respostas fundamentadas, há artigos baseados em anos de pesquisa e assinados por profissionais de excelência mas, acredita, não é nesses que te vais focar (por mais que tentes)! É nos outros, que, sem qualquer base científica, te levam a acreditar profundamente que a tua esperança média de vida acabou de cair drasticamente. Isto é, que já só tens alguns meses de vida para aproveitar o sol, o cheiro a mar,  o sabor da tua comida favorita e os abraços dos que mais amas.


Enquanto o teu coração acelerar e as tuas mãos tremerem, enquanto sentires o teu corpo a ficar dormente e dificuldade em respirar, enquanto te sentires com tonturas e dores de cabeça, não é nos poucos títulos que te sugerem, por exemplo, “ataques de pânico” ou “ansiedade” que vais acreditar. É, sim, nos outros, naqueles que – infelizmente – estão em maioria, naqueles em que palpitações são sinónimo de ataque cardíaco, uma dormência indica claramente esclerose, tonturas, tremores e arrepios não podem ser algo senão um qualquer tumor ou uma qualquer doença rara cuja incidência não passa os 2%. E, aqui, surge uma outra questão: mesmo que a incidência seja de 2%, tu vais-te lembrar das três pessoas de olhos verdes que conheces e pensar que também só há 2% de probabilidade de alguém ter olhos verdes no mundo e, claro, vais-te convencer que afinal é bastante provável teres essa tal doença rara.

Há então, aqui, dois grandes problemas, afinal de contas: o do Google, que tem informação a mais e, até quem sabe, maioritariamente incorreta, mas também o nosso. O de só nos focarmos na tal informação incorreta. Sim, eu sei que não é uma questão de opção. Sim, eu sei que  não conseguimos que seja de outra maneira. Sim, eu sei que, fisicamente, todos os sintomas coincidem, um por um. Sim, eu sei que mentalmente não estamos capazes de perceber e aceitar que esse tal batimento não é um ataque cardíaco, que aquela dormência não significa necessariamente esclerose ou que as tonturas não serão, muito provavelmente, causadas por um tumor cerebral. A verdade é que a nossa cabeça está a ser enganada, constantemente, e o pior é que o senhor Google aparece para lhe dar razão.

Tens sintomas que não entendes? Vai ao teu médico, liga à Saúde 24, marca uma consulta ou vai às urgências. Por muito que te custe, é aí que vais obter as respostas de que precisas e não nas 500 linhas de pesquisa que ficam a sujar o histórico do teu computador

Por experiência própria, digo-te que a "medicina googliana" me diagnosticou um tumor no pulmão, um outro cerebral e esclerose múltipla, sem margem para dúvidas, porque eu tinha os sintomas todos, claro (na minha cabeça, pois). Comecei logo a pensar em despedir-me do Sol, do cheiro do mar, da minha comida favorita e dos abraços dos que mais amo.

Por experiência própria, te acrescento que não havia razão para me despedir de nada nem de ninguém, há sim para aproveitar mais e mais, todos os dias.

Por isso, esquece as pesquisas sobre esses sintomas, não acredites em quem escreveu respostas sem qualquer fundamento científico porque, digamos, desrespeitou o slogan do Google... E, sobretudo racionaliza! Porque nos queixaríamos tanto da falta de médicos se a única coisa que precisássemos deles fosse uma prescrição médica para os comprimidos de combate às doenças que o Google já fez "o favor" de nos diagnosticar ?

Sim, eu fui buscar o computador, teclei e pesquisei para escrever este texto (afinal precisava saber o ano de fundação, o slogan e a missão do Google), mas é precisamente para isto que ele serve: para utilizarmos informação útil que alguém, num ponto qualquer do mundo, escreveu e não para diagnosticarmos doenças explicativas dos nossos sintomas físicos e/ou psicológicos. Para isso, estão cá profissionais competentes e especializados, que, mesmo não sendo muitos, valem mais do que os milhões de bytes de informação sem qualquer fundamento que vais encontrar. 

E agora? Já vais parar?

Rita

Eu, hipocondríaca, me confesso.


Sou hipocondríaca. Sou mesmo hipocondríaca. Há quanto tempo? Ora bem... Será que “desde sempre” conta como resposta? Claro que há fases e fases, há momentos de maior e menor intensidade na escala da hipocondria, há milhares de fatores a condicionar essa mesma intensidade. Mas lembro-me de, por exemplo, ser pequenina – aí no alto dos meus 10 ou 11 anos – e perguntar ao meu pai: “papi, acha que eu tenho mononucleose?”. Pronto, só para verem o género.

Ora bem, em jeito de desabafo, queria só dizer o seguinte: é muito difícil ser-se hipocondríaco, caramba!

Vejamos, então:

-       Ser hipocondríaca é acreditar, quase constantemente, que padecemos de uma qualquer doença grave;
-       Ser hipocondríaca é prestar atenção ao mínimo sinal do nosso corpo como se presta atenção a um filho recém-nascido;
-       Ser hipocondríaca é fazer de uma simples dor de cabeça um tumor cerebral gravíssimo ou de um mero aperto no peito um ataque cardíaco fulminante;
-       Ser hipocondríaca é encher o histórico do nosso computador  com pesquisas sobre doenças e sintomas, até todas as entradas do Google ficarem cor-de-rosa – sinal que já abrimos todas as páginas possíveis e imaginárias;
-       Ser hipocondríaca é ter vontade de fazer exames a tudo e a mais alguma coisa com a frequência com que se vai dar um passeio ao jardim ou, diria até, com a frequência com que passamos um recibo verde no trabalho ao fim de cada mês;
-       Ser hipocondríaca é chegar a qualquer consulta médica com o diagnóstico já feito, sem margem para qualquer dúvida, descredibilizando quem, realmente, perceberá do assunto (espera-se!). 



E por aí fora. Ser hipocondríaca é muito mais que isto. Ser hipocondríaca pode ser desgastante. Extenuante. Mas vá, pode ter algumas vantagens... Ora, deixem cá ver...

-       Estar mais e melhor informado sobre a nossa saúde? Claro, se não nos deixarmos envolver pela ansiedade e pela angústia que o sr. Google muitas vezes nos oferece e se soubermos escolher a informação adequada, nos locais adequados;
-       Fazer check-ups de saúde regularmente, como é aconselhável? Com certeza, desde que não corramos para o hospital ao mínimo sintoma, numa profunda angustia e com a certeza que é desta que vamos desta para melhor.

Bom... Em jeito de conclusão: sou hipocondríaca, sim senhores. Vivo com a minha hipocondria como quem vive com o facto de ter o cabelo loiro. É uma parte de mim. Mas, hoje em dia, tento controlá-la e tento que não limite o meu dia-a-dia. A minha vida. Encaro-a como uma parte de mim, não como uma doença limitativa – como, em tempos, já foi.

Há por aí alguém que queira desabafar em conjunto comigo? Mais alguém que padeça deste grande mal da humanidade chamado hipocondria? 

Teresa

terça-feira, 19 de julho de 2016

Conheci a Teresa por causa da fase marada. Mas como?


A Teresa não me conhecia de lado nenhum. A Teresa não sabia sequer se podia confiar em mim. Mas a Teresa confiou, abriu as páginas da sua vida para me ajudar, para me provar que aquele sofrimento não era solitário. Avisou-me que era difícil, que os momentos maus não passavam estalando os dedos, mas acabava todos os textos com a mesma palavra: "ACREDITA".

Lembro-me do momento em que decidi escrever no fórum: teclei até esvaziar o que sentia, tudo de uma vez, apaguei, voltei a escrever, coloquei o rato em cima do "enviar"... Desisti!
No dia seguinte, já não conseguia sair da cama, já não aguentava mais. Voltei a entrar no fórum, voltei a escrever o texto, como quem quer limpar a alma, como se o simples facto de escrever o que sentia conseguisse aliviar aquela dor. Desta vez carreguei na tecla "enviar".

Precisava desesperadamente de respostas, precisava de uma bóia, precisava de uma luz ao fundo do túnel, precisava de uma Teresa.

Lembro-me do que senti quanto li aquela primeira mensagem assinada com Tessy, lembro-me do alívio instantâneo, lembro-me da luz ao fundo do túnel, lembro-me da sensação de querer mais, querer saber mais, querer entender tudo, lembro-me de pensar de uma forma egoísta "eu preciso desta Teresa mesmo que ela não precise de mim".

As mensagens trocadas eram conversas sussurradas ao ouvido, as palavras carregavam um sofrimento tão íntimo, tão carnal ... Eu sentia o sofrimento dela da mesma maneira que ela sentia o meu. As dores passaram a ser vividas em conjunto mas as conquistas ... As conquistas passaram a ser aplaudidas à distância, comemoradas com sorrisos verdadeiros e alegria genuína.

Aquela Teresa do fórum passou a ser um pilar que ajudou a reconstruir uma Rita em pedaços.
Aquela Teresa esteve sempre lá, todos os dias, todas as horas, todos os segundos a dizer-me que acreditava em mim. E, se ela acreditava , eu também tinha que acreditar!

Só nos conhecemos meses depois e confesso o nervosismo desse dia, o receio de que a empatia afinal não acontecesse, que não passasse para o "mundo real", de não resultar cara a cara.

Mas, depois, via-a ao fundo, a caminhar em direção a mim. O meu coração acelerou ao ritmo dos passos dela, não vi mais nada até sentir aquele abraço apertado, a força de quem quer transmitir num só gesto tudo que os últimos meses carregaram, a vontade de mostrar "estou aqui e não vou fugir". Essa Teresa do fórum era agora real e não fugiu, continua aqui, todos os dias e todas as horas a fazer-me acreditar.

Portugal jogou nesse dia, o Quaresma marcou aos 117 minutos e houve mais um abraço, este sentido como os que se dão aos amigos de infância e com brilho nos olhos , já não havia dúvidas, a empatia tinha chegado ao mundo real.

Afinal as linhas tortas podem mesmo valer a pena, há sempre "sítios direitos" à espera, há sempre razão para acreditar, há sempre algo que faz valer a pena.
 A Teresa não me conhecia de lado nenhum, a Teresa abriu as páginas da vida dela, eu abri as páginas da minha. Agora estamos ambas aqui, prontas para que vocês "as leiam".

Rita

Conheci a Rita por causa da fase marada. Mas como?


Muitas têm sido as pessoas que nos questionam a propósito da forma como  nos conhecemos. Como é que, de repente, ficámos tão amigas? Nós compreendemos a pergunta – é uma história pouco convencional e inesperada. Mas é uma história que nos fez acreditar no cliché de que “há males que vêm por bem”. Ou, pelo menos, que há coisas verdadeiramente boas no meio de qualquer cenário negro.

Às vezes, o desespero leva-nos a fazer determinadas coisas que, outrora, juraríamos a pés juntos não fazer. Ou, melhor ainda, coisas que nunca imaginaríamos  poder vir fazer.

Tudo começou quando eu, Teresa, movida pelo desespero, me inscrevi num fórum chamado “ansiosos.org”. Acreditei que, talvez, ler histórias de outras pessoas e partilhar a minha própria história me pudesse, de alguma forma, ajudar. A verdade é que me enganei – não me ajudou, pelo contrário, e muito rapidamente desisti da ideia do fórum.

Porém, uma vez que estava inscrita no fórum, a cada vez que uma mensagem nova era lá publicada, eu recebia um aviso no meu e-mail. Como devem imaginar, recebia variadíssimos avisos. Quase nunca os abria – iam diretos para o lixo. E eu, que sou uma cética confessa, que não acredito no destino nem em coincidências, dei por mim, um dia, quando a fase marada já tinha passado, a abrir um desses avisos. E li a mensagem nova que tinha acabado de ser publicada no fórum. De uma ponta a outra. Ainda hoje, não sei porque o fiz. Mas ainda bem que o fiz.

À medida que ia lendo a mensagem da Rita, o espanto e a comoção apoderaram-se de mim. Lembro-me de estar, literalmente, de boca aberta, enquanto lia. Afinal, havia alguém a passar pelo mesmo que eu. Com uma história tão, mas tão parecida. Eu já estava boa, mas a Rita não estava. E eu, que não fazia a mínima ideia de quem seria esta tal Rita, pensei imediatamente: “tenho de fazer alguma coisa por esta rapariga”.

A Rita não me conhecia de lado nenhum. Nem a minha cara tinha, sequer, visto. Mas a Rita confiou em mim – o desespero pode, de facto, ter um grande impacto nas nossas vidas. A Rita deixou que eu, através da minha história pessoal e do meu testemunho real, a ajudasse.



A partir daí, tudo foi tão fácil. Tão natural. Tão intuitivo. A ajuda passou, claramente, a ser recíproca e, mais do que isso, deixou de ser só ajuda: a ajuda transformou-se em amizade.

Foi assim que foi ganhando cada vez mais força a ideia de criarmos um blog. Este blog. Porque sabemos que vale a pena. Porque nós somos a prova de que há mais gente a passar pelo que nós passámos. E nós bem sabemos que não são raras as vezes em que achamos estar sozinhos, em que achamos que somos os únicos e que nunca, ninguém, nos vai conseguir compreender.

Teresa

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Eu venci este medo #1


Uma das coisas que a minha fase marada trouxe consigo, sem pedir autorização, foi o medo. O medo descontrolado, o medo irracional, o medo de tudo, o medo do medo.

Durante uns meses, vivi com medo. Ou melhor: deixei de viver, por causa do medo. Tudo começou com o medo das doenças – esse, mais conhecido por hipocondria, que sempre me acompanhou, mas que não me limitava, não limitava o meu dia-a-dia, não limitava a minha vida. Depois de estar instalado, é difícil que o medo não se alastre. Não se generalize. Não se torne, agora sim, absolutamente impeditivo. No meu caso, tornou-se, de facto, impeditivo, em muito pouco tempo.

Várias coisas, básicas, do meu dia-a-dia, que outrora considerava inabaláveis, simples e até intuitivas, foram afetadas pelo medo. Ficaram para trás. Sem que eu conseguisse, sequer, encará-las, ou sem que pensasse, sequer, em tentar enfrentá-las.

Hoje, escrevo este texto durante uma viagem de comboio, o Intercidades, até ao Porto. Ora aqui está uma das coisas a que me referia há pouco: andar de comboio para mim sempre foi algo simples, intuitivo e – mais ainda – agradável e confortável. Deixou de ser. Há uns meses, não conseguia sequer conceber a ideia de me enfiar num comboio, durante 3 horas, e partir para uma cidade que não a minha, longe da minha casa. É, o medo pode mesmo limitar a nossa vida. Eu bem sei o que isso é.



Por circunstâncias da vida, circunstâncias muito boas da vida, vi-me obrigada, no dia 20 de maio, a apanhar o Intercidades, pela primeira vez desde a fase marada. Sim, eu já não estava nessa fase a 20 de maio. Mas o medo ainda estava lá. Porquê? Porque ainda não o tinha enfrentado.

Passados dois meses, já apanho qualquer comboio com a naturalidade de antigamente. Se já não fico nem um bocadinho ansiosa? Estaria a mentir se dissesse que não. Fico, sim senhores. Porém, há aqui uma grande – a principal, acho eu – diferença: esta ansiedade, este medo, já não me limita. Já não me impede. Eu sinto o medo, eu aceito-o, mas eu enfrento-o.

Foram precisas algumas estratégias, sim. Foi preciso algum trabalho, claro. Mas digo-vos, muito honestamente: que sensação do caraças.

Teresa